ANO III - NÚMERO 3 - BOLETIM DE MARÇO/23
LIBERDADE DE IMPRENSA NO BRASIL
REGISTROS DE OCORRÊNCIAS EM MAR/23
Destaques: Profissionais da comunicação denunciam assédio judicial em SP, PB e SC. Repórteres sofrem agressões e ataques em PE, BA e RS. Abraji contabiliza mais de 500 ocorrências contra a imprensa em 2022.
SUDESTE
Rio de Janeiro (RJ) -
Uma equipe de reportagem do portal UOL foi impedida pela diretoria do Flamengo
de acessar, em 23 de março, o centro de treinamento do Ninho do Urubu.
Segundo foi apurado, tratou-se de uma retaliação do clube contra a entrevista
de um ex-funcionário do time, que relatou ter havido alteração na cena do
incêndio que matou dez crianças do futebol de base do Flamengo, quatro anos
atrás. Entidades de classe enviaram notas à direção do clube, protestando
contra o cerceamento ao trabalho dos jornalistas.
São Paulo (SP) II – O
The Intercept Brasil informa que está sendo alvo de mentiras e difamação, que o
associam à organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Marc
Sousa, coordenador de Jornalismo da Jovem Pan no PR, publicou em um site
parceiro do portal R7 que o Intercept teria recebido doações do PCC, segundo
relatório interceptado pela Polícia Federal (PF). O veículo reiterou que a
informação é caluniosa e trata-se de “jogo sujo”. Na noite de 24 de março, a
equipe do Intercept recebeu um e-mail de Sousa com perguntas sobre os supostos
pagamentos do PCC. Ele deu um prazo de menos de 12 horas para as respostas. O
Intercept buscou e analisou os 17 nomes das pessoas ligadas ao PCC mencionadas
no relatório, e detectou que nenhum deles consta na lista de doadores. O
Intercept destaca também que, curiosamente, não há nesse relatório da PF menção
ao nome da pessoa que teria escrito tal documento. A matéria, porém, foi
publicada por Sousa sem qualquer posicionamento do Intercept, enviado cerca de
40 minutos antes da publicação da nota. Apenas depois de horas de exigências do
Intercept, o texto foi atualizado com o posicionamento do veículo. O Intercept
também já foi alvo de ataques da Record e do R7, após revelar a pressão interna
nas redações desses veículos para apoiar o ex-presidente da República nas
eleições de 2018.
CENTRO-OESTE
Brasília (DF) – A
comentarista Basilia Rodrigues, da CNN Brasil, foi vítima de racismo por parte
de um apoiador do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG). “Não presta
nem pra dar faxina”, comentou o internauta. No quadro Dois Lados exibido em 14
de março pela CNN, Basilia entrevistou o parlamentar e a deputada Fernanda
Melchionna (PSOL-RS). Na ocasião, os deputados debateram a possível cassação do
mandato de Nikolas por fala transfóbica no plenário da Câmara, quando ele
também fez questionamentos sobre o conceito de “ser mulher”. Em seu perfil no
Twitter, Basilia compartilhou o print da mensagem publicada na caixa de comentários do canal da
emissora no YouTube. “Parabéns, Nikolas. E essa repórter???? Presta nem pra dar
faxina”. Na legenda, a jornalista escreveu de forma sucinta: “Isso tem nome”,
em referência ao racismo sofrido. Entidades de classe se solidarizam com a
profissional.
SUL
Foz do Iguaçu (PR) - Aluízio
Palmar, editor do site Documentos Revelados e presidente do Centro de Direitos
Humanos e Memória Popular, revela estar sofrendo ameaças em decorrência de
matéria publicada em 13 de março. No texto intitulado “Tipos de tortura
usados durante a ditadura militar”, foram publicados comentários, de origem
identificada, como: “as torturas deveriam
sim continuar e serem mais fortes”, e desejando a morte da ex-presidente da
República, Dilma Rousseff. Ao retrucar o comentário, Palmar foi ameaçado. Os
sindicatos dos jornalistas do PR (SindijorPR) e do Norte do PR (Sindijor Norte
PR), assim como a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) repudiaram as
ameaças e cobraram “atitudes das autoridades para que as ameaças direcionadas a
Palmar não sigam impunes e, ainda, para preservação de sua integridade”.
NORDESTE
Recife (PE) – O
repórter Alex Silvestre, o cinegrafista Anderson Bolinha e o motorista Carlos
Alberto, da TV Guararapes, sofreram agressões de quatro indivíduos quando
faziam a entrada ao vivo para o programa Cidade Alerta, registrando um incêndio
no bairro do Ipsep, na Zona Sul da capital pernambucana, na noite de 10 de
março. Os agressores partiram para cima da equipe de reportagem, na
tentativa de impedir que os profissionais de imprensa filmassem o incêndio e
conversassem com as famílias que moravam no imóvel atingido. A câmera foi
jogada ao chão. Após o ataque, os agressores fugiram. Foi registrado um boletim
de ocorrência na polícia local e as entidades de classe divulgaram nota
repudiando o ocorrido.
Salvador (BA) - O
jornalista João Pedro Pitombo, do jornal Folha de S. Paulo, sofreu ataques
virtuais do deputado estadual Rosemberg Pinto (PT), líder do governo de
Jerônimo Rodrigues (PT) na Assembleia Legislativa. Rosemberg contestou
reportagem de João Pedro sobre a suposta omissão no currículo da esposa do
ministro da Casa Civil e ex-governador da BA, Rui Costa (PT), da função de
assessora especial da Secretaria de Saúde do estado, que estaria sendo exercida
desde maio de 2014. Em vídeo do portal de notícias Aratu On, o parlamentar acusou o jornalista de “mentiroso” e “machista”.
A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o Sindicato dos Jornalistas da
Bahia (Sinjorba ), a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) e a Associação
Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji ) manifestaram solidariedade ao
profissional.
JUDICIAIS
São Paulo (SP) I - A
Revista Fórum deve indenizar o restaurante Coco Bambu por reportagem que dizia
que o restaurante sediou uma festa em comemoração à marca de cem mil mortes por
Covid-19 no Brasil. O desembargador Galdino Toledo Júnior, da 9ª Câmara de
Direito Privado do Tribunal de Justiça de SP, apontou evidências de que a
reportagem, “de forma injustificada”, forjou informações sobre o restaurante,
com objetivo de “depreciar e macular a sua honra subjetiva, até porque
totalmente despropositada e imoral a afirmação de que 'a rede ficou conhecida
como o restaurante que celebrou cem mil mortes'“. Para o relator, não há
problema em associar o Coco Bambu a apoiadores do ex-presidente da República,
com uso da expressão “bolsonarista”, “pois seus sócios admitiram publicamente
essa preferência política e, ao exporem essa opção, certamente assumiram o
risco de ver a própria pessoa jurídica, que embora tenha personalidade jurídica
diversa das pessoas física daqueles, ligada a essa escolha”. O problema da reportagem, na visão de Toledo
Júnior, está na “vergonhosa” associação de um evento promovido em Brasília com
uma suposta comemoração pela morte de cem mil brasileiros por Covid-19, “ato
certamente despropositado e desumano”.
São Paulo (SP) II – O The Intercept Brasil sofre assédio judicial por parte da Igreja Universal do Reino de Deus, segundo informações do Instituto Vladimir Herzog. Em comunicado, a ONG revela que a organização religiosa liderada pelo bispo Edir Macedo entrou na Justiça contra o portal devido à publicação, em 2022, de uma reportagem do repórter Gilberto Nascimento acerca de investigação do Ministério Público de SP sobre suposto esquema de lavagem de dinheiro pela Universal. Ainda de acordo com o instituto, a Universal foi procurada pela equipe do Intercept, mas não se pronunciou. Na ação judicial, os advogados da igreja estariam pedindo a abertura de uma investigação policial alegando “divulgação sem justa causa” e quebra de sigilo. O jornalista Flávio V. M. Costa, editor-chefe do The Intercept Brasil, afirmou que a investigação que causou a ira da Universal revelou um “levantamento sigiloso” do MP-SP que mostraria depósitos bancários de R$ 33 bilhões feitos entre 2011 e 2015 em contas ligadas à igreja.
João Pessoa (PB) - Os
jornalistas Eduardo Reina e Camilo Toscano estão sendo processados em razão da
divulgação do documentário “Justiça Contaminada – O Teatro Lavajatista da
Operação Calvário na Paraíba”, lançado no ano passado. A Rede de Proteção
de Jornalistas e Comunicadores, liderada pelo Instituto Vladimir Herzog e pela ONG Artigo 19, considera estar havendo
perseguição judicial por parte do desembargador Ricardo Vital de Almeida. Ele
sustenta que o documentário contém “diversas palavras ofensivas à sua imagem e
à sua honra” e pede suspensão da veiculação do trabalho, pagamento de
compensação por danos morais de 40 salários mínimos, além da abstenção pelos
jornalistas de qualquer comentário ofensivo à sua imagem. Alegando que tal
medida configuraria censura prévia, a Justiça rejeitou o pedido para que os
jornalistas deixem de fazer comentários ofensivos à imagem do desembargador. O
documentário, disponível no YouTube, critica o “lava-jatismo” da Operação
Calvário. Realizada em 2019, ela envolvia o então governador paraibano Ricardo
Coutinho de liderar uma organização criminosa que fraudava contratos na área da
saúde.O documentário ressalta que o desembargador Almeida e o promotor Octávio
Paulo Neto, do Ministério Público (MP-PB), eram chamados de “Moro e Dallagnol
da Paraíba”. Eduardo Reina informou que há de três ações contra ele e Toscano. O
desembargador foi procurado, sem resposta, várias vezes durante a produção do
documentário.
Florianópolis (SC) - A
jornalista investigativa Schirlei Alves sofre seis processos judiciais por ter
revelado no site do The Intercept Brasil os detalhes de uma audiência do caso
Mariana Ferrer. Mariana é uma influenciadora que afirmou ter sido estuprada
pelo empresário André de Camargo Aranha em um “beach club” de luxo, em 2018.
Ele foi inocentado das acusações pois, segundo o promotor responsável pelo
caso, não havia como o empresário saber que Mariana não estava em condições de
consentir a relação, e, portanto, não houve intenção de estuprar, uma espécie
de “estupro culposo”. Os autores das ações judiciais com Alves são o advogado
do empresário acusado pelo estupro, o promotor de Justiça que atuou no caso e o
juiz que deu a sentença final. Organizações da sociedade civil assinaram nota
em que repudiam as ações judiciais, entendidas como uma forma de intimidar
jornalistas, e destacam a importância da reportagem de Schirlei para que o caso
ganhasse repercussão nacional.
Belém (PA) – A Record
TV é processada pelo Ministério Público Federal (MPF) em uma ação civil pública
por causa do programa Balanço Geral PA, que exibiu cadáveres em pleno horário
de almoço e entrevistou presos de forma humilhante, sem direito de defesa. A
emissora e a equipe do programa são acusadas de desrespeitar direitos humanos,
após o MPF monitorar por três meses as edições do Balanço Geral no PA,
atendendo denúncia da Secretaria Extraordinária de Cidadania e Direitos Humanos
da capital paraense, em fevereiro de 2020. A ação também tem como réus a União
e o judiciário paraense, por falta de fiscalização. Na petição, há informações
de que repórteres da Record entrevistam suspeitos de crimes em delegacias sem
qualquer direito de resposta, defesa ou advogado, confrontando-os por seus
supostos crimes sem terem como se defender. O MPF destaca ainda que a maioria
desses entrevistados é negra, o que denotaria racismo por parte da linha
editorial do programa. Sobre a exibição de cadáveres no programa, o MPF avalia
que o conteúdo é “chocante e inadequado para a televisão, além de expor vítimas
de violência extrema sem necessidade”. Os promotores pedem que a Record assine
um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) se comprometendo a não exibir mais
cadáveres no programa e nem entrevistar suspeitos de forma humilhante e sem
consultar seus advogados. A emissora pagará uma multa de R$ 10 mil para cada
termo não atendido.
......................
Fontes: ABI (www.abi.org.br), Fenaj (www.fenaj.org.br),
ANJ (www.anj.org.br), Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br),
Abert (www.abert.org.br), Abraji (www.abraji.org.br), Portal Imprensa (www.portalimprensa.com.br),
ARI (www.ari.org.br), Portal Coletiva (www.coletiva.net),
Portal dos Jornalistas (https://www.portaldosjornalistas.com.br/),
Jornalistas & Cia (https://www.jornalistasecia.com.br/), https://mediatalks.uol.com.br,
Consultor Jurídico (https://www.conjur.com.br/areas/imprensa), Sociedade
Interamericana de Imprensa (https://pt.sipiapa.org/), Federação Internacional
de Jornalistas (www.ifj.org), Sindicato dos Jornalistas de Portugal
(www.jornalistas.eu), ONG Repórteres Sem Fronteiras (www.rsf.org), Portal
Comunique-se (portal.comunique-se.com.br), Comitê de Proteção aos Jornalistas (https://cpj.org/pt/),
Centro Knight para o Jornalismo nas Américas (knightcenter.utexas.edu) e outras
instituições e entidades de defesa do livre exercício da profissão de
jornalista.
Pesquisa e edição: Vilson
Antonio Romero (RS)
vilsonromero@yahoo.com.br
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