BO JUDICIAL - 14/05/24 - TJDF LIVRA REVISTA DE INDENIZAR PASTOR

Revista não precisa indenizar pastor por críticas em texto de opinião, diz TJ-DF

A exposição de opiniões, crenças, juízos de valor e críticas com uso de figuras de linguagem e irreverência na forma de se expressar, sem abusos ou excesso, é compatível com a liberdade de imprensa. Além disso, pessoas conhecidas publicamente estão sujeitas a críticas severas ou intensas de profissionais dos meios de comunicação social. Com esse entendimento, a 7ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal negou indenização por danos morais a um pastor evangélico que contestava textos de opinião com críticas a ele publicados no site da revista CartaCapital.

Contexto

O autor da ação é fundador de uma confraria chamada Machonaria, que acredita na “masculinidade bíblica” como solução para “uma sociedade caída” e defende que, sem isso, “todo o ecossistema entra em desordem”.

Em 2021, uma cientista social evangélica, responsável por um blog sobre religião na CartaCapital, publicou dois textos de opinião críticos ao pastor e à Machonaria. No primeiro deles, a blogueira descreveu o que chamou de “fundamentalismo com a cara do pastor” em questão: “tatuado, barba, camisa de lenhador, em defesa das armas — e que permite aquela cerveja e aquela verdinha depois do culto”.

Já no segundo texto, ela se contrapôs a uma publicação feita pelo pastor nas redes sociais em que ele citava um “potencial demoníaco” das mulheres.

No texto, o pastor alegava que a sociedade ignora o comportamento “orgulhoso, vingativo e manipulador adotado pelas mulheres”, enquanto se atenta apenas para atos violentos praticados por homens. A blogueira chamou tal discurso de “criminoso” e afirmou que o autor deveria ser responsabilizado na Justiça: “Culpabilizar mulheres por sofrerem a violência reforça a ideia de que elas merecem apanhar e encoraja os homens a cometer abusos contra suas companheiras, sejam elas psicológicos, financeiros, sexuais ou físicos”, escreveu ela.

No ano seguinte, o pastor acionou a Justiça contra a cientista social e a CartaCapital. Ele alegou que os textos prejudicaram sua honra e extrapolaram a liberdade de imprensa e de expressão.

Segundo o autor, as rés publicaram ofensas gratuitas e infundadas sobre ele, bem como divulgaram uma foto sua de forma indevida.

Na interpretação do pastor, os textos associaram sua reputação e imagem ao machismo, de forma pejorativa, e o acusaram de estimular a violência contra a mulher.

O autor argumentou que prega o discurso totalmente oposto ao alegado pelas publicações. Os textos teriam distorcido suas falas por falta de compreensão do conteúdo.

Fundamentação

A 3ª Vara Cível de Águas Claras (DF) negou os pedidos do autor. No TJ-DF, prevaleceu o voto divergente da desembargadora Sandra Reves, que manteve a sentença.

Ela explicou que a intervenção da Justiça na liberdade de imprensa se restringe aos casos de excesso ou ilícito evidente.

“A imposição de indenização por eventuais excessos pressupõe demonstração de abuso de direito ou propósito de caluniar, difamar ou injuriar capazes de caracterizar dano moral sujeito a compensação pecuniária.”

Para a magistrada, a publicação do autor citada no segundo texto do blog fortaleceu “estigmas, preconceitos e estereótipos” ao apontar que a violência de gênero é reflexo de condutas praticadas pelas próprias mulheres.

O pastor citou uma suposta “tortura emocional, relacional e psicológica” promovida pelas mulheres para “enlouquecer o comportamento” do homem.

Assim, o segundo texto expôs uma “análise crítica sobre os pensamentos propagados para manter o modelo de poder e dominação patriarcal, com especial atenção ao viés religioso da questão e à responsabilidade das mídias sociais no reforço de tal estrutura”.

Na visão da desembargadora, o assunto tem “manifesto interesse público ou social”, já que a desigualdade e a discriminação baseadas no gênero “decorrem de padrões sociais e culturais de conduta calcados em uma relação histórica de domínio e opressão contra as mulheres”.

Segundo Sandra Reves, é importante a crítica jornalística que contraponha “comportamentos e discursos capazes de banalizar a proteção dos direitos das mulheres, prejudicar a construção de uma sociedade igualitária e fomentar a prática de atos fundados em misoginia”.

Ação civil pública

O Ministério Público do DF mais tarde ajuizou ação civil pública para questionar a publicação citada no texto. No último ano, a 12ª Vara Cível de Brasília condenou o pastor a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 100 mil ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) e determinou a remoção da publicação, bem como de outro vídeo semelhante.

De acordo com a magistrada, “esses fatos corroboram a existência de interesse público e social que permeia o tema abordado no artigo”.

Para ela, “mesmo que duras e veementes, as opiniões e críticas expostas na publicação não extrapolaram os limites da liberdade de expressão e de manifestação do pensamento”.

Isso porque as palavras da blogueira não trouxeram informações “inverídicas, inverossímeis ou com distorções da realidade”, não foram veiculadas “com o intuito de difamar, injuriar ou caluniar” e “não atingiram atributos da personalidade” do autor.

Assim, não é possível “tolher o exercício dos direitos de informação, opinião e crítica oriundos da liberdade de imprensa”.

Sandra aplicou o mesmo entendimento ao primeiro texto. Ela explicou que a menção ao pastor e outros líderes religiosos teve o objetivo de ilustrar sua opinião sobre “as diversas formas em que o fundamentalismo religioso pode se manifestar”.

A desembargadora ressaltou que esse tema é “amplamente discutido no campo político e em outras esferas de interesse público”.

Além disso, a ré não atribuiu nenhum crime ao autor, nem teve, segundo a magistrada, “intenção de injuriá-lo ou difamá-lo”. A julgadora notou um tom sarcástico e satírico, “típico dos artigos de opinião”.

Quanto ao uso da foto do pastor na publicação, a desembargadora explicou que a função foi apenas ilustrar o texto, sem excesso, abuso ou violação do direito de preservação da imagem. Ela destacou que o próprio autor expôs a fotografia em seus perfis digitais.

 

Fonte: https://www.conjur.com.br/2024-mai-13/revista-nao-precisa-indenizar-pastor-por-criticas-em-texto-de-opiniao-diz-tj-df/

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