BO 13/01/25 - FOTÓGRAFO DA AGÊNCIA FOTORUA É DETIDO PELA PM EM SAO PAULO
Manifestantes e jornalista são detidos por ato em memória de artista de rua morto pela PM
O fotojornalista Fábio Vieira, da agência FotoRua, e
cerca de 15 manifestantes foram conduzidos ao 8º Distrito Policial da Polícia
Civil de São Paulo na noite da última quinta-feira (9/1) em razão de um
protesto pela memória de Reginaldo Júnior — artista de rua morto pela Polícia
Militar em Sorocaba, no interior paulista, no domingo (5/1).
Após serem detidos pela PM, todos tiveram de assinar um
termo circunstanciado de ocorrência — inclusive o jornalista, que trabalhava na
cobertura do ato — com menção ao artigo 37 da Lei de Contravenções Penais
(LCP), que tipifica a conduta de “arremessar ou derramar em via pública, ou em
lugar de uso comum, ou do uso alheio, coisa que possa ofender, sujar ou
molestar alguém”.
Durante o protesto, um manifestante jogou tinta vermelha
na escadaria da sede da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP).
Essa pessoa sequer estava, no entanto, entre o grupo conduzido à delegacia,
segundo Fábio relatou à Ponte.
Já na sexta (10/1), o Ministério Público de São Paulo (MP
-SP) pediu ao Juizado Especial Criminal do Foro Central da Capital, ao qual o termo circunstaciado foi enviado, o arquivamento do caso — por não haver sequer prova sobre quem seria o responsável pela infração imputada pela PM.
“Os policiais não descreveram a conduta dos autores e o
simples fato de estarem no local, por si só, não faz crer que o arremesso
perigoso decorreu diretamente deles. Diante deste contexto, não há elementos
suficientes para a propositura da ação penal”, escreveu a promotora de Justiça
Priscila Cristina Fulanetti Alberti Rodrigues em seu parecer.
Questionada pela Ponte sobre as circunstâncias do
episódio, a SSP afirmou, em nota, que “um grupo, de cerca de 17 homens, foi
detido após arremessar objetos contra a sede da Secretaria da Segurança
Pública, na Sé, região central de São Paulo, na quinta-feira (9). Ao todo, 41
latas de tinta spray e quatro cartazes foram apreendidos”.
No parecer do MP-SP, no entanto, baseado nos autos do
caso, há indicação de que apenas uma das pessoas envolvidas na manifestação
“jogou tinta vermelha sobre a calçada e parte da escadaria” — sem menção ao
fato alegado pela SSP de que objetos teriam sido arremessados por todo o grupo.
Ainda no posicionamento solicitado pela reportagem, a SSP
não detalha por qual razão o fotojornalista que fazia a cobertura do ato também
foi detido.
O grupo realizou o ato pela memória de Reginaldo Júnior,
conhecido entre artistas de rua como África Menor, com concentração no Vale do
Anhangabaú, logo depois de o Movimento Passe Livre (MPL) ter encerrado outro
protesto na região central contra o aumento das passagens do transporte público
na tarde de quinta (9/1).
Artista de rua foi morto ao fugir de abordagem
O fotojornalista Fábio Vieira, com trabalhos já
publicados na Ponte, Estadão e Metrópoles, entre outros veículos de imprensa,
passou a cobrir a manifestação em favor de Reginaldo por volta das 20h, após
ter registrado também imagens do ato do MPL. Ele conta que o protesto contra o
assassinato do artista de rua chegou a ter cerca de 30 pessoas, todas elas
ligadas à cena da pichação e do grafite.
Reginaldo Júnior foi morto ao tentar fugir de uma
abordagem policial, após ele e um amigo terem sido flagrados durante um ato de
pichação. A guarnição da PM responsável pela morte do artista relatou que teria
ocorrido uma “troca de tiros” e que a vítima teria uma pistola calibre 380.
Familiares afirmam, no entanto, que o porte da arma foi forjado e que o
pichador foi executado sumariamente.
O ato pela memória de Reginaldo virou uma passeata com
faixas contra a violência policial e seguiu pela Rua Sete de Abril, atravessou
o Viaduto do Chá, passando antes pelo Theatro Municipal, até chegar à sede da
SSP. Foi então que um manifestante lançou tinta no local e foi embora.
Policiais militares que estavam na sede da SSP ordenaram
então que o grupo limpasse a escadaria, o que foi acatado por um dos
manifestantes, sem responsabilidade sobre o ato anterior. Os próprios agentes
cederam um balde com água para que a limpeza fosse feita — fato que foi
registrado por Fábio Vieira.
Detidos não tiveram acompanhamento de advogados
Depois disso, os manifestantes retornaram ao Vale do
Anhangabaú. Pouco antes das 22h, com o ato mais esvaziado, cerca de dez
viaturas chegaram ao local e policiais abordaram os manifestantes. O fotógrafo
Fábio Vieira, que conseguiu registrar imagens até ali, também foi rendido,
mesmo tendo se identificado aos policiais o tempo como jornalista freelancer em
expediente.
O grupo então foi levado nos camburões das viaturas ao 8º
DP, no bairro do Belém, sob a alegação de que alguém deveria responder pela
tinta jogada na sede da SSP. Fábio, também colocado no “chiqueirinho” da
viatura, teve de guardar os equipamentos de trabalho em uma mochila e
entregá-los aos policiais. Ele só pôde retomá-los dentro da delegacia.
O grupo foi mantido sentado no chão do local até por
volta das 3h da madrugada de sexta. Cada um teve que assinar o termo
circunstanciado e se submeter a uma fotografia na qual segura um cartaz com
menção ao artigo 37 da LCP. Os documentos de cada um e faixas do protesto
também foram fotografados. Fábio diz ainda que as pessoas conduzidas não
puderam depor individualmente.
Uma delegada de plantão teria questionado o grupo se
todos estavam protestando. O fotojornalista diz que pôde apenas intervir em
meio aos manifestantes para dizer que acompanhava o ato em razão de sua
profissão. A delegada também solicitou dados de e-mail, telefone e endereço do
grupo conduzido. Eles não tiveram o acompanhamento de advogados ou de
defensores públicos, diz o fotojornalista.
Fonte: https://ponte.org/manifestantes-e-jornalista-sao-detidos-por-ato-em-memoria-de-artista-de-rua-morto-pela-pm/
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